A chegada aos trinta anos: o resgate no meio (do meio) da vida

Bom, eu gostaria de iniciar esta série de artigos falando sobre uma etapa da vida que eu considero crucial, e que por conta de sua importância acaba sendo o momento em que muitas pessoas optam por buscar a terapia: os trinta anos. Seja pela busca de autoconhecimento ou pela percepção de que existe algum “entrave” que dificulta a adaptação externa ou interna do indivíduo, a chegada aos trinta anos parece ter um grande significado na vida de muitas pessoas na atualidade.

Por entender que este é um tema muito amplo, gostaria de me reportar a apenas alguns aspectos relativos a esta idade: a inserção definitiva do passado na vida do indivíduo; a conscientização de que o tempo de vida tem um limite; e como consequência destas, a necessidade do resgate de características pessoais que ficaram armazenadas e esquecidas no “baú da existencia”, mas que agora pedem passagem para uma melhor adaptação ao mundo externo ou ampliação da personalidade.

Em primeiro lugar, é importante destacar que quando falo sobre os trinta anos não pretendo me fixar a esta idade, usando-a apenas como um referêncial. Em segundo lugar, gostaria de lembrar que por volta desta faixa etária a maioria das pessoas já está trabalhando – tendo feito ou não uma faculdade – , sendo este o momento em que muitos conseguem, por exemplo, sua liberdade financeira ou outras conquistas importantes. Quando conversamos com com os nossos pais, geralmente nos damos conta que estas mesmas conquistas foram feitas mais rapidamente em outras gerações. Mas como este não é o foco deste artigo, nos voltemos a questão principal.

Antes de falar sobre os trinta anos gostaria de voltar um pouco no tempo e falar brevemente sobre o significado da adolescência.

Ao nos lembrarmos de nossa própria vida aos 16 anos, por exemplo, nos remetemos a uma etapa em que o mundo era cheio de possibilidades e possíveis caminhos a serem traçados:

“Com o que eu gostaria de trabalhar?”, “Qual faculdade desejo cursar?”, Quais lugares desejo conhecer?”, “Quando e com quem me casarei?”, etc.

Ou seja, quando nos referimos a adolescência – o início (do início) da vida adulta – nos remetemos a um momento em que o tempo e o mundo ainda se encontravam em aberto e a realidade se assemelhava mais a uma grande “tela”, ainda quase em branco, sendo os sonhos as centenas de possibilidades de desenhos e cores a ocuparem este espaço: o mundo está aberto, é presente é futuro.

Com a aproximação dos 30 o cenário muda: ao nos depararmos com a “tela da vida”, embora ainda existem muitos espaços em branco encontraremos uma série de desenhos e muitas cores que são o resultado de escolhas anteriores, sendo os mesmos os determinantes da maioria de nossos comportamentos. A essas alturas, a maior parte dos desenhos já feitos não podem mais ser apagados, embora possam ser retocados.

Como consequência da conscientização do que já não pode mais ser mudado, do nosso passado, subitamente nos damos conta de que a “tela da vida” tem um espaço definido.

Assim, tendo adquirido a percepção deste espaço definido e já distanciados das milhares de possibilidades da adolescência, as pessoas passam a se deparar com os primeiros fechamentos da vida e com a certeza de que o tempo passa deixando suas pegadas: embora o mundo ainda esteja em aberto, agora nos damos conta que somos passado, presente e futuro. Com toda a firmeza se instaura a percepção cristalina de que não somos eternos – temos um tempo limitado. Neste caso, é justamente a emergência deste passado que acaba por instaurar a percepção de que a vida tem um limite.

Uma das consequências da conscientização do tempo limite de vida é trazer à tona – com muita intensidade – o sentido de nossas limitações pessoais – o retorno de Saturno da astrologia.

Mas o que isso significa??

Ainda brincando com a metáfora da tela, este seria o exato momento em que percebemos que utilizamos muito algumas cores e formatos de desenhos em nossa tela da vida e que deixamos outras de fora, mas que agora se tornam importantes. A psique, naturalmente pede equilíbrio, pede totalidade! Então este é o momento em que somos convidados pela “vida” a revisitarmos o nosso passado para – muitas vezes – nos confrontarmos com o que foi deixado de lado e resgatarmos aquilo o que foi negligenciado, buscando uma ampliação da personalidade.

Este é um período crítico, no qual uma intuição interna ou uma necessidade externa nos lembra: “É preciso viver toda a vida”.

Neste momento, as perguntas da adolescência – que falavam basicamente sobre futuro – são substituidas por outras, nas quais o presente e o futuro, buscam diálogo com o passado para que a vida prossiga:

“Será que estou no trabalho certo? Era isso mesmo o que eu queria ou o que os meus pais queriam?”, “Será que dediquei muito tempo ao trabalho e pouco às relações pessoais?”, “Eu pensava que a estas alturas já estaria casado, entretanto meus namoros duram apenas meses. O que acontece de errado?”.

Refletindo um pouco sobre os questionamentos acima, poderíamos pensar que na primeira frase se trata de uma pessoa que de súbito “descobriu” que encontra dificuldades para tomar importantes decisões. Embora pudesse antes intuir que seus pais sempre o fizeram por ela, agora a vida passa a cobrar suas decisões pessoais e ela encontra grande dificuldade para tomá-las por si própria. Neste caso, a história de vida pessoal tem um peso muito grande: “Se nunca tomei decisões, como as tomarei agora?”.

No segundo caso, poderíamos pensar em uma pessoa que pouco tempo dedicou as relações pessoais ou que se escondeu atrás de outras atividades, justamente por ter dificuldade em se relacionar. De repente ela se dá conta de que vive sozinha. Mais uma vez o passado bate à porta: “Tenho condições para retomar ou construir novas amizades já que não tenho habilidades neste campo?”

Para muitas pessoas que buscam terapia por volta dos 30 anos de idade encontraremos questionamentos parecidos com estes.

Eles falam sobre a tomada de consciência de que alguma coisa vital ficou para trás. É o momento em que nos damos conta, por exemplo, de que nossa “tela da vida” possui muita cor verde em detrimento do vermelho; e agora é chegada a hora de aprender a utilizar a cor vermelha. É o período da conscientização dos limites pessoais, das fronteiras ainda não exploradas – mas que subitamente se tornam necessárias ou, as vezes, muito desejadas. É a hora de viver a vida completa, ou algo que se assemelhe a isso.

Dessa forma, o que está em jogo para essas pessoas é justamente a necessidade/possibilidade do resgate de características que ficaram armazenadas e esquecidas no baú da existência. E se o sucesso nesta busca for alcançado, surge então a possibilidade de um novo futuro, que para muitas pessoas que estão no meio (do meio) da vida é o caminho da síntese entre o seu presente e o seu passado esquecido.

Diogo de Lima e Calazans

Psicólogo e Doutorando em História da Ciência PUC/SP